O que é o suíngue?
por Pedro A. G. Batista
O samba tem uma divisão do tempo quaternária, quer isto dizer que contamos o tempo no samba dizendo UM-dois-três-quatro, UM-dois-três-quatro, e por aí fora. Normalmente este ritmo é escrito em compasso binário, devido à pulsação binária natural do samba, da seguinte forma:
Esta notação representa dois tempos (duas semínimas), divididos cada um em quatro pancadas (quatro semicolcheias). Na figura seguinte está indicado a duração dos tempos a vermelho, e das pancadas a verde :
Nesta representação, todas as pancadas têm a mesma duração, correspondente a uma semicolcheia, ou seja um quarto do tempo. Para reproduzir este ritmo temos apenas que bater uma sucessão uniforme e regular de pancadas, um-dois-três-quatro, um-dois-três-quatro, alternando a mão direita (D) e a mão esquerda (E)
.
Para podermos dar valores precisos à duração de cada pancada, temos que acordar num andamento (a rapidez a que tocamos, medida em número de tempos-por-minuto). Usando um andamento médio de 120 batidas-por-minuto, então cada tempo (semínima) terá a duração de 1/2 segundo, e os dois tempos do compasso terão uma duração de 1 segundo. Sendo assim, como cada pancada durará sempre um quarto do tempo, cada uma das oito pancadas terá a duração exacta de 125 mili-segundos.
Vou usar agora uma representação combinada em que por debaixo da notação musical coloco um eixo do tempo, com marcas no lugar das pancadas. Repara que o intervalo entre duas pancadas consecutivas é sempre 0.125 segundos:
Ouvindo este ritmo tal como ele está representado, isto é, com as pancadas todas uniformes, o resultado é tudo menos samba. Na verdade este ritmo executado tal como está escrito tem suíngue zero. Aliás basta ouvir…
Mas o que é então o suíngue? O suíngue é uma interpretação rítmica que se aplica a um dado trecho musical. Esta interpretação, que pode consistir de nuances no timing ou na sua intensidade das notas, não se limita a reproduzir o que está escrito, mas deforma criativamente o padrão exacto. Em suma, o suíngue consiste na deformação consistente de um padrão uniforme, introduzindo-lhe variações subtis de forma a originar mais contraste e interesse.
Estas variações não são aleatórias, longe disso são variações consistentes que alteram sempre da mesma forma uma dada pancada do ritmo. Cada suíngue particular é assim uma moldura que se emprega na interpretação de um dado trecho, divergindo da interpretação rigorosa que a notação transmite.
Torna-se agora óbvio porque é a notação musical não é adequada para representar o suíngue. Se algumas variações de intensidade das notas podem ser representadas pelas acentuações (aqueles sinais-de-maior ‘>’ em cima de algumas notas), em termos temporais é muito mais fácil dizer «atrasa a segunda pancada» do que escrevê-lo na pauta de forma clara.
Vejamos um exemplo: um suíngue possível seria dar sempre a primeira pancada mais longa (repara que para a primeira pancada ser mais longa, as restantes têm que diminuir de duração). Para aplicar este suíngue teríamos que prolongar a primeira pancada (atrasar a segunda pancada), ou seja, depois de dares o «um», esperavas mais do que o normal antes de dar o «dois», e acelerarias a dar o «três» e o «quatro» para compensar e não atrasar o andamento (o início do segundo tempo tem que continuar a ser nos 0.5 segundos) :
Repara que o intervalo de tempo entre notas consecutivas deixou de ser o mesmo. A primeira nota passou a durar mais do que as outras, em contraste com a notação musical que continua a ser a mesma…
Este seria um suíngue particular, na verdade existem infinitas possibilidades, umas mais interessantes que outras. Mas vamo-nos concentrar no samba… O samba em particular usa um padrão que altera tanto a duração das pancadas, como a sua velocidade/volume (a força com que são dadas).
No suíngue do samba…
…em termos temporais, a primeira e a quarta pancadas são prolongadas, logo a segunda e a terceira são encurtadas.
…em termos de intensidade, a primeira e a quarta pancadas são mais fortes, enquanto a segunda e a terceira são mais fracas.
Repara que os números indicados são meramente exemplificativos. Não se pode resumir o samba numa fórmula, mas estas são as orientações gerais. Além disso pode-se aplicar o suíngue em diferentes graus: mais intensamente, com grandes desvios das notas em relação ao ritmo uniforme, ou mais suavemente, apenas insinuando as variações. O suíngue é uma forma de conferir mais expressividade a um trecho rítmico, e como tal permite vários graus de interpretação. O que haverá sempre, em maior ou menor grau, é o tipo de deformação explicada acima.
É portanto esta alternância de duas pancadas fortes e longas com duas pancadas fracas e curtas que é responsável pelo suíngue contagiante do samba, pela dinâmica incessante deste ritmo. Na verdade, em termos musicais, é sempre a variação e o contraste que provocam interesse, o samba é apenas a ilustração disto em termos rítmicos.
Para percebermos este ritmo podemos imaginar para começar a sequência de pancadas uniformes, de igual duração e intensidade, de que falámos atrás. Se agora começares a atrasar um pouco durante duas pancadas, e a acelerar depois durante outras duas, fazendo aquele pára-arranca característico do samba sempre em sucessão, verás que o teu corpo começa naturalmente a abanar, a gingar neste ritmo. No nosso cérebro mais primitivo, ritmo é igual a dança, e como acabaste de observar, embora possas não o saber conscientemente, o teu instinto nunca o esqueceu…
‘Bora aí sambar 🙂
© Pedro A. G. Batista 2001-2002